Continuando o assunto tourada – ou corrida de toros, como é chamada por lá – complemento o post de Rafa com a minha experiência com essa tradição espanhola. Na semana que a Catalunha colocou um ponto final nesse “esporte”, fico aqui pensando porque essa prática ainda é permitida em várias regiões da Espanha. Mas, se olharmos um pouco aqui pra dentro do Brasil, vamos perceber várias situações de maus tratos a animais que também não são combatidas (abandono, tráfico), assim como a realização de “esportes” (vaquejadas e rodeios) em que os bois, bezerros e touros são tão judiados como os de lá. A diferença é que o animal aqui não é morto no final.
Era justamente esse “detalhe” do final que eu precisava ter me informado melhor antes de ter tido a infeliz ideia de ir assistir uma tourada. Quando fui morar no Sul da Espanha, há três anos, tinha na cabeça que precisava viver um carpe diem cultural, ou seja, aproveitar e viver todas as tradições ao máximo! Foi dessa forma que imaginei que a tourada deveria estar incluída neste circuito. Numa visita a cidade de Sevilla soube que ia ter uma corrida e umas colegas da escola me convenceram a ir com elas conhecer o “espetáculo”.
Era uma ensolarada tarde de domingo e já na entrada da Plaza de Toros me entusiasmei com a chegada do toureiro. Bonito, vestido com uma roupa encantadora, imponente e ovacionado pelo público ao descer do carro, entrou na arena como os jogadores de futebol da seleção brasileira entram num estádio: assediados por fotógrafos e mulheres.
(Foto: Sabrina Medeiros)
Já dentro da arena, o toureiro posa para os fotógrafos |
Por dentro da arena circular, o chão onde acontece "a luta" entre touro e toureiro é de areia com marcações em cal. O público pode se acomodar em cadeiras ou arquibancadas. Percebi que a maior parte dos presentes era turista e os espanhóis de fato eram, em sua maioria, mais velhos/ terceira idade.
Conhecia touradas apenas por reportagens na televisão. Sabia da indignação do povo, sabia que o animal sofria, porém a referência que eu tinha é de que era algo similar ao rodeio. Não me informei o bastante, nem tinha a opção de visita guiada (como Rafa teve a oportunidade de fazer ) para esclarecer o que viria depois. E não, eu não sabia que o touro TEM QUE morrer no final. Nas aulas que tive por lá, nenhum professor comentava sobre corridas de toros. Sentia que era como um tabu para eles. Alguns jovens, segundo um amigo espanhol, sentem até vergonha de falar sobre o assunto.
(Foto: arquivo pessoal/Sabrina Medeiros)
Só sorrisos antes de começar. A gente não sabia o que estava por vir... |
E começa o show, de horror
Cavaleiros galopando em cavalos com armaduras anunciam o início da tourada. As cores, imagens e música me fizeram voltar no tempo e imaginar como era tudo aquilo décadas atrás...O ambiente era tão bonito que as primeiras fotos que tirei, inclusive, estamos sorrindo (eu e minhas colegas da escola). O toureiro e os banderillas (que distraem o animal) se apresentam ao público e, depois de um silêncio cheio de suspende, o touro é solto. O impacto, não vou mentir, é grande. O bicho é enorme, bem preto e muito bonito. Mas, bastou ele chegar chegar ao meio da arena para eu entender o que estava acontecendo.
(Foto: Sabrina Medeiros)
Cavalos com armaduras desfilam no início da tourada |
O Touro já entrou debilitado, sangrando muito, cheio de espadas espetadas. Enquanto ele tentava sair dali, voltar para o lugar de onde foi solto, vários “ajudantes” do toureiro lhe espetavam mais espadas e o bicho urrava de dor. O toureiro com sua capa colorida provocava o animal, que nem conseguia reagir. Foi aí que baixei a cabeça, tapei os ouvidos e comecei a sentir muita vergonha por te pago e, consequentemente, financiado uma atrocidade daquelas. Não via a hora de acabar e torcia insistentemente para o pobre do touro se salvar. Não sabia eu que eles sempre são mortos no final (muito raro o touro sair triunfante) e, ao invés de um, era 6 por corrida.
Fiquei paralisada, olhando pra baixo, querendo sair e não conseguia (todos os lugares da arquibancada e acessos estavam ocupados e só poderia sair a cada intervalo - a cada três touros mortos). Com a experiência de quem viu, digo que é uma prática totalmente covarde. E incompreensível o que fazem com aquele animal tão bonito.
(Foto: Sabrina Medeiros)
A entrada do touro na arena |
Ao invés de "Olé" comecei a ouvir vaias. Pensei que o público, assim como eu, estava horrorizado. Eles vaiavam muito e atiravam tomates e outras coisas na autoridade que estava presente no estádio. Reclamavam, apontavam, estavam revoltados. As mulheres, balançavam lenços. Só fui entender o que se passou ali quando voltei às aulas e meu professor espanhol me explicou que eles reclamavam porque o Touro entrou quase morto e o toureiro só estava ali figurando, porque luta mesmo não havia nenhuma. O touro não queria mais lutar, foi morto sem quase reagir. Eles se sentiam enganados, por isso a indignação.
Já acabou?
A Tourada completa dura em média 2h. Mas, não consegui olhar por mais de 10 minutos. Como num filme de terror, fiquei perguntando o tempo todo para minhas colegas: “Já acabou, já acabou?” . Até que o choro silencioso de uma delas (da Alemanha) me respondeu que o final tinha chegado e que não tinha sido nada bonito de se ver. Segundo ela, eles furaram o touro até quase a morte e o infeliz do toureiro "triunfou" dando um golpe fatal no animal. O animal morto foi arrastado para fora da arena por cavalos, deixando um rastro de sangue (como o que Rafa mostrou), ao som de uma música tradicional entoada por uma banda típica. Ao todo, seis touros são sacrificados em cada tourada.
(Foto: Sabrina Medeiros)
Lá no cantinho: acuado e ferido, o pobre do touro foi morto sem nem reagir |
#curiosidade: Os touros que são levados à Plaza são criados em cativeiro e preparados para exclusivamente para as touradas. Dizem que a carne dos touros sacrificados é vendida para açougues (Deus me livre!!), mas de fato não sei se é verdade. Alguém sabe me responder?
Na volta pra Granada (onde eu morava), as imagens daquela covardia não me saíam da cabeça e não parava de chorar. Nunca vi nada tão forte e me sentia culpada por ter ido assistir. Segundo um professor que tive lá, a tourada que fui não foi boa, foi de baixa qualidade, por isso o touro sofreu tanto. De acordo com ele, é emocionante quando o touro entra bravo na arena e o toureiro o domina e o mata com um golpe certeiro. Boa ou ruim, confesso que nunca repetiria e, desde aquele dia, quero distância de Plazas de toros!
E você, assistiria a uma corrida?