27 de janeiro de 2012

O que meu PE tem: Histórias de assombrações e lendas urbanas

Quem cresceu em Pernambuco sabe muito bem do que vamos falar nas próximas linhas. Quando crianças, muito se escutava sobre histórias de assombrações e lendas urbanas. Contos de fantasmas, mulas sem cabeça, “Cumadre Fulorzinha” e tantos outros personagens assustadores ajudavam a deixar todas os pimpolhos travessos comportadinhos. Causos infantis a parte, vamos tratar aqui das tão conhecidas lendas urbanas que assustaram os recifenses por anos. Muitas dessas histórias têm como cenário várias pontos turísticos da capital pernambucana. Separamos algumas para você, mochileiro que adora mistérios.

Convidamos para um bate-papo exclusivo uma especialista no assunto, a jornalista e também pesquisadora de histórias de assombração Jaqueline Couto*. A moça tomou gosto pelo tema graças aos causos e lendas contados pela avó materna, Dona Lourdes, que gostava de embalar os sonhos da neta não com fábulas e contos de fadas, mas com narrativas medonhas e fantasmagóricas (medo!).

(Divulgação)

De onde vieram essas histórias assombradas pernambucanas?
As histórias assombradas vieram do imaginário popular e das próprias lendas criadas em torno de figuras folclóricas ou acontecimentos sobrenaturais que ocorreram na cidade do Recife e em Pernambuco. Algumas narrativas foram inspiradas em fatos acontecidos e outras sofreram uma “repaginada” para mudar lugares e personagens. Mas a essência é a mesma, sempre. Um fato é sempre um fato, independente de como ele é contado.

E quais as influências desses causos?
As influências foram muitas... Quando pequena, minha avó me colocava para dormir contando “causos” de assombrações ao invés de embalar meus sonhos com histórias sobre Rapunzel. Ela me contava a história dos engenhos, das batalhas em Pernambuco e todo o lado sobrenatural que fez com que Recife fosse conhecida como a “Escócia brasileira”, graças aos seus fantasmas. 

Outras inspirações vieram dos livros de Gilberto Freyre, em particular “Assombrações do Recife Velho”; Allan Poe; Alvarez de Azevedo; Bram Stocker; Stephen King; Arthur Conan Doyle e seu Sherlock Holmes, publicações sobre o sobrenatural no mundo todo (que mencionassem assombrações, aparições entre outros assuntos referentes à demonologia, licantropia e vampirismo) e, claro, Mary Shelley.

Para aqueles turistas que curtem roteiros pitorescos e diferentes, podemos bolar algum para eles?
SIM! Recife, como disse, é considerada a “Escócia brasileira” graças ao seu número gigantesco de registros fantasmagóricos. Uma boa dica é visitar a Cruz do Patrão - construída a mando do patrão-mor do Porto, por volta do século 17 e onde eram enterrados os negros pagãos mortos durante as viagens nos navios vindos da África; o Arquivo Público Estadual – a antiga Casa de Detenção da cidade, onde dizem que o fantasma de Frei Caneca caminha até pelos corredores e escadas do local, e dar uma passada na Casa da Cultura; o Teatro de Santa Isabel e seus fantasmas “culturais” e o Recife Antigo, palco de muitas aparições como o Boca de Ouro, que aterroriza os boêmios com seu sorriso apodrecido e dentes de ouro.

Duas histórias de assombrações que sejam bem pernambucanas.
A primeira é o Boca de Ouro. Essa era dos tempos de minha bisavó e até hoje repercute nas conversas sobre o assombrado. Ele é um homem misterioso que anda vestido como um boêmio – paletó de linho branco, chapéu do Panamá e flor na lapela - é considerado um misto de demônio, entidade e zumbi. 

Apresenta-se aos afoitos que teimam em perambular pelas ruas recifenses após a meia-noite. Elegante e garboso, o moço geralmente se aproxima pedindo fogo para seu cigarro. Quando a “vítima” oferece o isqueiro ou fósforo, ele se transforma em um cadáver roxo, inchado e carcomido e com um terrível nauseante cheiro de putrefação. Nesse momento, ele dá uma sonora gargalhada, de fazer gelar o sangue até de quem já morreu, e mostra uma boca escancarada e cheia de dentes postiços dourados.

(Hugo Acioly/Turismo PE/Flickr)
Rua do Bom Jesus: Cuidado com o Boca de Ouro
A outra assombração bem conhecida do público recifense – graças ao inesquecível Gilberto Freyre – é, aliás, são, os ruídos e aplausos que permeiam a coxia e os salões do suntuoso palacete. Mas, faço minha a narrativa do Mestre de Apipucos, Gilberto Freyre, que, com maestria, revela os segredos sobrenaturais do belo teatro: 

“O que se murmura entre os empregados antigos e discretos do Santa Isabel é que em noites burocraticamente silenciosas se ouvem, no ilustre recinto, ruídos e aplausos, palmas, gritos de entusiasmo de uma multidão apenas psíquica. Mas sem que se possa precisar a que ou a quem são os seus aplausos de bocas e mãos que não aparecem." 

Há também quem afirme ter visto no interior do Santa Isabel, em noite de silêncio e rotina, a figura de austera senhora do Recife, há longos anos morta e sepultada em Santo Amaro.

(Hugo Acioly/Turismo PE/Flickr)
Teatro Santa Isabel: Aplausos e gritos ainda são escutados

*Jaqueline também foi integrante do site O Recife Assombrado e, junto com os jornalistas Roberto Beltrão, Geraldo de Fraga e os músicos André Balaio e o maestro Sérgio Barza, escreveu o livro "Malassombramentos – Os arquivos secretos do Recife Assombrado". Jaqueline também é uma das escritoras da coletânea “Insanas – Elas matam”, uma compilação de contos de horror escritos por escritoras brasileiras.

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